Viagem
Se porventura seus olhos cruzassem os meus, já nada seria como dantes, a envolvência com que a sua presença se fez notar já seria o bastante para que nada neste precioso instante se tornasse um mero acaso.
Sua paz de espírito ao desfolhar cada página desse livro de capa escondida ao qual nunca pude ler o título, davam lhe uma paz avassaladora, uma transparência de alma que nada tinha a esconder.
O modo como as suas mãos firmes o seguravam definiam o interesse incessante que os seus dedos tinham em acariciar quase que de forma solene cada virar de página como que contrastando com o constante reboliço daquela curta viagem entre apeadeiros e estações.
Os nossos olhares jamais se cruzaram, pois eles os seus embrenharam-se numa viagem para a qual eu nem sequer tinha sido convidado, e na minha jornada segui, tentando decifrar cada momento dessa sua aventura, ora feita de sorrisos, ora de pequenas pausas e tímidos suspiros, mas sem nunca os seus olhos deixarem de fixar aquelas magicas páginas que a sua alma ia absorvendo.
No rosto nunca lhe vi tristeza, nem por meros instantes, seu corpo manteve se intacto, embalado tão somente pelo já descrito solene movimento dos seus dedos, e assim ele se manteve até o seu destino.
Se porventura seus olhos tivessem cruzado os meus, talvez ousasse perguntar o nome desse livro de capa escondida, mas desse ou de qualquer outro livro, não é do título que nos recordamos, mas sim da viagem que ele nos proporcionou.
E sendo assim ao livro dei-lhe o título “viagem” mesmo que para ela não tenha sido convidado.